Laguna: A Cidade Nacional do Boto Pescador

No litoral sul de Santa Catarina, o município de Laguna se destaca por abrigar uma das interações mais raras e emblemáticas entre ser humano e vida selvagem: a pesca cooperativa entre pescadores artesanais e botos-da-Lahille (Tursiops truncatus gephyreus). Esse fenômeno natural e cultural, confere à cidade o título de Capital Nacional do Boto Pescador.
Uma parceria milenar entre homem e natureza
A prática da pesca com botos em Laguna ocorre principalmente na Lagoa de Santo Antônio dos Anjos, com destaque para a Praia da Tesoura, onde essa interação é mais frequente. Nesse processo, pescadores entram na água com tarrafas — redes circulares lançadas manualmente — enquanto os botos, por iniciativa própria, cercam os cardumes no mar e os conduzem até os pescadores. Quando o momento é ideal, o boto faz um sinal característico, indicando o local onde os peixes se concentram. A sincronia entre o gesto do boto e o lançamento da tarrafa resulta em uma captura eficiente. Parte dos peixes que escapam da rede acabam sendo capturados pelo próprio boto, completando uma cadeia de cooperação que beneficia ambas as espécies.
Esse comportamento colaborativo é fruto de gerações de convivência e aprendizado. Pesquisas realizadas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) apontam que os botos cooperativos demonstram maior fidelidade espacial e taxas de sobrevivência superiores aos que não participam da interação, reforçando a importância ecológica e cultural dessa parceria única
Monitoramento científico e conservação
Entre agosto de 2023 e julho de 2024, uma equipe de pesquisadores realizou um monitoramento intensivo na região. Através da fotoidentificação, foram registrados 46 botos — dos quais sete apresentaram comportamento cooperativo recorrente, sendo identificados como os principais parceiros dos pescadores. Outros 13 indivíduos participaram de forma ocasional. Essa fidelidade comportamental à área de pesca reforça o papel da Praia da Tesoura como um ponto estratégico para a conservação da espécie.
Os registros mostraram que a cooperação síncrona — quando boto e pescador atuam em perfeita sintonia — resulta em maior eficiência na pesca. Em dias com menor número de pescadores e mais interação com os botos, a quantidade de peixe capturada foi significativamente maior em relação ao número de redes lançadas. Por outro lado, em períodos de menor cooperação ou sinal mal interpretado, o esforço pesqueiro aumentou, mas com menor produtividade.
Além de representar um patrimônio cultural imaterial, essa interação é considerada um indicativo ecológico, pois os botos são vistos como sentinelas ambientais. O monitoramento contínuo dessa população permite avaliar a saúde do ecossistema e propor estratégias de conservação frente a desafios como a diminuição da disponibilidade de tainha, espécie-chave na cadeia alimentar local.
Atrativo turístico singular em Santa Catarina
O fenômeno da pesca com botos em Laguna configura-se como um dos atrativos turísticos mais autênticos de Santa Catarina. Reconhecida internacionalmente, essa prática ancestral desperta o interesse de visitantes, pesquisadores e documentaristas. O turismo gerado em torno desse espetáculo natural contribui para a economia local e fortalece a valorização do patrimônio cultural e ambiental da região.
A presença de biólogos, estudantes e turistas interessados em observar a pesca cooperativa reforça a importância de Laguna como destino estratégico para o turismo sustentável no estado. A combinação entre tradição, ciência e natureza transforma a cidade em um laboratório vivo de interação entre espécies e modelo de coexistência harmônica.
Patrimônio vivo do litoral catarinense
Com uma comunidade pesqueira formada majoritariamente por pescadores artesanais — mais de 3.370 registrados no município — e um volume expressivo de captura anual, Laguna preserva não apenas uma prática de sobrevivência, mas um verdadeiro símbolo da identidade local. A cooperação entre pescadores e botos representa um legado que ultrapassa fronteiras, consolidando Santa Catarina como referência internacional em turismo de natureza e conservação marinha.
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